Negros representam apenas 16% dos professores universitários
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13 Sep 2025(atualizado 13/09/2025 às 21h41)1 de 7 Adriana Alves, professora do Departamento de Geologia da USP, posa diante de amostras roc
Negros representam apenas 16% dos professores universitários
1 de 7 Adriana Alves,liars poker portugues professora do Departamento de Geologia da USP, posa diante de amostras rochosas. Ela faz parte dos 16% de negros que comp?em os corpos docentes das universidades públicas e particulares no Brasil — Foto: Fábio Tito/G1
A professora de geologia Adriana Alves, paulistana de 38 anos, acaba de ter a segunda filha. A professora de química Anna Maria "Anita" Canavarro Benite, fluminense de 39, já é m?e de três. Além de participarem do universo de mulheres que equilibram carreira e maternidade, ambas também integram o seleto grupo de 682 mulheres no Brasil que têm título de doutorado, ocupam um cargo de professora em tempo integral com dedica??o exclusiva em uma universidade pública, e se declararam pretas, segundo o Censo da Educa??o Superior.
O número vem de um levantamento feito pelo G1 a partir dos microdados divulgados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Em 2017, ano das informa??es públicas mais recentes, quase 400 mil pessoas davam aulas em universidades públicas e particulares do Brasil, mas só 62.239 delas, ou 16% do total, se autodeclararam pretas ou pardas.
A representa??o dessa parcela da popula??o entre os professores universitários cresceu nos últimos anos, mas n?o muito: em 2010, os negros (grupo que engloba a popula??o preta e parda) respondiam por 11,5% das vagas de docentes do ensino superior.
De 392.036 docentes que constam no Censo, 29,4% se recusaram a declarar uma cor ou ra?a. Veja abaixo a distribui??o dos demais 274.794 professores, e o histórico anual desde 2010:
2 de 7 Cor e ra?a dos professores universitários; No de docentes pretos e pardos subiu de 11,5% para 16% entre 2010 e 2017 — Foto: Arte/G1
Os dados mostram que, além de continuarem sendo uma minoria entre o total de professores universitários, os negros veem a representatividade racial cair conforme aumenta o grau de escolaridade desses docentes.
Uma análise entre 2010 e 2017 com o grupo de professores que autodeclararam uma ra?a ou cor mostra que:
Nesse período, o número de professores com mestrado subiu de 85.655 para 115.869, sendo que os negros respondiam por 20% e 23% desse total, respectivamente.Já entre os professores com doutorado, o número absoluto aumentou de 53.006 para 100.354, com a parcela representativa dos negros crescendo de 11,4% para 17,6%.
3 de 7 Quanto maior o grau de escolaridade dos professores universitários, menor é a representatividade de pretos e pardos — Foto: Karina Almeida/G1
Segundo Alexsandro Santos, doutor em educa??o pela USP e consultor legislativo da Camara Municipal de S?o Paulo, o avan?o se deve em parte a uma combina??o de fatores: a institui??o, por lei, de cotas nos concursos públicos, em 2008, e o lan?amento do Reuni, o programa de expans?o das universidades federais.
"Os professores brancos, que têm mais facilidade de se colocar nos mercados, n?o topavam ir nessas vagas do Reuni porque estavam longe das capitais", disse ele.
De acordo com os dados, as institui??es públicas apresentam desigualdade racial ligeiramente menor do que as privadas, onde 77% dos professores se declaram brancos. Porém, é nas universidades privadas que est?o a maior parte das vagas de trabalho.
O crescimento lento dessa representatividade, de acordo com o especialista, indica que, se nada mudar, o Brasil levará décadas para que a propor??o racial de servidores do ensino superior se equipare à da popula??o brasileira, onde a maioria dos habitantes é negra.
A??o afirmativa na pós-gradua??o
Para acelerar esse avan?o, Santos defende a institui??o de a??es afirmativas também no processo seletivo da pós-gradua??o como um mecanismo.
"A??es afirmativas na gradua??o permitem fazer um peda?o da corre??o das desigualdades. Só que a pós-gradua??o tem vetores de sele??o que a gradua??o nem sempre contempla", explicou ele. "Por exemplo, os programas de pós de excelência pedem prova de idioma às vezes no ingresso. Isso n?o se resolve necessariamente na gradua??o. E aí, a popula??o negra e mais pobre fica pra trás."
Ele lembrou que, em maio de 2016, o Ministério da Educa??o, instado pela Justi?a, publicou uma portaria dando prazo para que as universidades e institutos federais elaborassem "propostas sobre inclus?o de negros (pretos e pardos), indígenas e pessoas com deficiência em seus programas de pós-gradua??o (mestrado, mestrado profissional e doutorado), como Políticas de A??es Afirmativas".
No ano seguinte, a pasta informou que o processo de organiza??o de uma base de dados com o número de negros, indígenas e pessoas com deficiência nos programas de pós com políticas de a??o afirmativa estava "em andamento". Veja exemplos de cursos de pós com cotas.
"N?o basta ser doutor, tem pontua??o por publica??o de artigo, a competi??o é muito elevada. Tem um recorte que pesa sobre as pessoas negras", afirma Santos. "Elas n?o têm o mesmo acúmulo de capital acadêmico que, ao longo da história, gera uma oportunidade melhor."
Uma análise publicada por três pesquisadoras de ciências sociais do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) mostra que a desigualdade racial também persiste na distribui??o de bolsas de forma??o e pesquisa e, quanto mais prestigiada a bolsa, menos acessível ela é aos negros.
A pesquisa analisou a cor ou ra?a declarada pelos recipientes em janeiro de 2015 de 59.160 bolsas de quatro categorias:
27.811 bolsas de inicia??o científica (nível de gradu??o)9.144 bolsas de mestrado (nível de pós-gradua??o)8.165 bolsas de doutorado (nível de pós-gradua??o)14.040 bolsas de produtividade em pesquisa (nível de pós-gradua??o, considerada a mais prestigiada)
O número de negros e negras só se aproxima a um ter?o do total de bolsistas na inicia??o científica, categoria com a menor remunera??o:
Distribui??o de bolsas por cor ou ra?a
Transforma??o das coisas
Uma das 27 mulheres negras do Brasil com um título de doutorado em química, Anita Canavarro cresceu sem pai e escolheu a carreira nessa área por causa de interesses despertados quando crian?a. Certa vez ela viu a m?e, que n?o tem ensino superior, mas foi professora de ciências, improvisar um cano para fazer a água de um po?o chegar até a casa sem encanamento onde vivia com as duas filhas, na Baixa Fluminense.
"Nós tivemos uma infancia muito pobre, e minha m?e transformava as coisas. Sempre me interessei pela transforma??o das coisas. Isso vai te marcando e você vai se interessando. Foi isso que me levou à química", explicou, ressaltando que a ideia de seguir carreira acadêmica n?o foi planejada.
"Quando você vive privada de muitas coisas, o sonho que se tem é sair daquela situa??o de priva??o. E foi esse o caminho que eu encontrei, pelo estudo. O estudo faz promo??es em termos de mobilidade social na vida de pessoas negras e pobres." - Anita Canavarro
4 de 7 Anita Canavarro, professora de química da UFG e ex-presidente da Associa??o Brasileira de Pesquisadores Negros e Negras (ABNP) — Foto: Arquivo pessoal/Anita Canavarro
Anita acumula exemplos de como quase foi escanteada pelo ambiente acadêmico. Ela chegou a ser aprovada no vestibular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) de primeira, mas na terceira chamada, e só descobriu depois do prazo. "A desinforma??o é muito grande. O edital tem normativas específicas em uma linguagem que a gente n?o compreende." Para ela, o mundo universitário segue um "código simbólico de pertencimento" no qual os estudantes fora do perfil de apoio socioecon?mico exigido no ensino superior n?o se encaixam.
Durante a gradua??o, para pagar o transporte até a faculdade, ela manteve diversos empregos, como vendedora em loja, shopping e polo de confec??o, bibliotecária e técnica em química. Para entrar no mestrado, precisou tentar mais de uma vez o processo seletivo. Uma vez aprovada, conseguiu o apoio do orientador.
"Fiz o mestrado sem computador. Meu orientador me deu a chave do laboratório, me deu todas as condi??es para que eu saísse dali em pé de igualdade."
Em 2005, ela obteve o título de doutora com uma tese na área de química inorganica chamada "Estudos utilizando a Teoria do Funcional de Densidade da química de coordena??o de derivados N-acilidraz?nicos aromáticos e heteroaromáticos candidatos a inibidores de metaloenzimas Zn-dependentes".
No ano seguinte, realizou três concursos públicos de docência – foi aprovada em todos, e convocada para dar aulas na Universidade Federal de Goiás (UFG) em 2006.
O Brasil pré-cotas
O Brasil ainda n?o dispunha de políticas de a??o afirmativa quando Anita e Adriana Alves terminaram o ensino médio e, por isso, nenhuma delas se beneficiou das cotas raciais. Mas ambas defendem a política.
"Se tivesse as condi??es que existem hoje, acho que minha trajetória teria mais op??es", diz Anita. "Dou todo o crédito para o professor [do mestrado, que lhe deu a chave do laboratório], mas e se eu n?o encontrasse essa pessoa?"
Adriana diz que está satisfeita com sua carreira na geologia, mas que seu destino foi definido justamente por falta da op??o de cotas ou bonifica??o. Filha de um motorista de ?nibus e de uma passadeira de roupas, ela fez o ensino médio integrado ao técnico em processamento de dados e planejava seguir o histórico da família: arrumar um emprego assim que terminasse o ensino básico.
5 de 7 A professora Adriana Alves, diante de retratos dos diretores do Instituto de Geociências da USP — Foto: Fábio Tito/G1
Foi inspirada por um professor a tentar o vestibular, mas logo desistiu das duas primeiras op??es – computa??o e engenharia da computa??o. "Tirei a computa??o da vida porque sabia que n?o ia passar. Podia ter querido ser médica, talvez eu seria excelente médica. E tirei qualquer devaneio de fazer engenharia, porque minha nota n?o daria", explicou ela.
A geologia veio por causa de um jogo de RPG e, logo antes de se formar, ela conseguiu um estágio em uma consultoria que a fez ir direto da gradua??o para o mercado de trabalho.
"O valor que eu recebia no estágio era mais do que meu pai, mais que a renda de todo mundo junto", lembra Adriana, que logo virou o arrimo da família.
O ganho financeiro com o trabalho, porém, n?o veio acompanhado da satisfa??o pessoal, e ela precisou tomar a difícil decis?o de largar o emprego e voltar à acadêmia.
Maternidade e produtividade
A jovem ent?o "pulou" o mestrado e foi aceita no doutorado direto também na USP, combinado com um estágio de um ano na Universidade de Alberta, no Canadá. O título de sua tese na área de mineralogia e petrologia é "Petrogênese de plútons graníticos do leste paulista: geocronologia, geoquímica elemental e isotópica", defendida em 2009.
Em 2010, ela foi contratada pelo Instituto de Geociências da USP como professora, e hoje é uma de apenas 129 professores da universidade que se autodeclaram pretos ou pardos, segundo dados de outubro de 2018 divulgados pelo Jornal da USP. Isso representa 2,2% do total de 5.820 docentes ativos.
6 de 7 Adriana posa com o marido e as filhas no Instituto de Geociências da USP, onde os dois lecionam — Foto: Fábio Tito/G1
Hoje com 38 anos, ela está de licen?a-maternidade para cuidar da segunda filha, Serena, de quatro meses – a mais velha, Flora, tem dois anos e quatro meses.
"Entre as professoras universitárias, a gente é m?e mais tarde. A gente primeiro quer o emprego, depois quer passar do [período] probatório, que na USP é de seis anos, n?o de três. Quando a primeira nasceu eu estava com 36 anos", explicou Adriana Alves.
"Eu me acho mais eficiente hoje, mas a eficiência tem que dar conta de tudo: do administrativo da universidade, das inúmeras aulas, artigos e das meninas. Tudo cai um pouco."
Adriana e Anita, que é m?e de Igor, Thomas e Sofia, com 13, 10 e 8 anos, respectivamente, fazem parte tanto da minoria racial quanto da disparidade de gênero entre os docentes. Os homens s?o maioria entre os professores universitários em todos os recortes raciais, mas, entre os professores que se declaram pretos ou indígenas, esse desequilíbrio é ainda maior, e chega a 58,25% e 60% do total, respectivamente.
Docentes do ensino superior por sexo
"A universidade n?o está preparada para uma mulher com filhos. Ela n?o está preparada para uma mulher" - Anita Canavarro
7 de 7 Ex-presidente da Associa??o Brasileira de Pesquisadores Negros e Negras, Anna Marina, ou Anita, também lidera um programa para aproximar alunas do ensino básico de pesquisadoras negras — Foto: Arquivo pessoal/Anita Canavarro
Ciência tem cor?
Os microdados do Censo da Educa??o Superior revelam ainda outro importante debate da igualdade racial na academia: a recusa da autodeclara??o. Os números mais recentes mostram que, dos 392.036 indivíduos que constam na base de dados de docentes do ensino superior, 117.242, ou 29,4% do total, se recusaram a declarar uma cor ou ra?a no questionário.
Desses, 51,6% têm diploma de doutorado e 66,7% trabalham em universidade pública. Desse grupo, porém, nem Anita Canavarro, da UFG, nem Adriana Alves, da USP, dizem participar, já que as duas fazem quest?o de declararem que s?o pretas.
Segundo Adriana, muitos cientistas evitam declarar uma cor ou ra?a porque acreditam que ciência n?o deveria ter cor. "é muito mais difícil fazer análise assim", ressalta ela, que faz quest?o de preencher a autodeclara??o para contribuir com as estatísticas. "Mas muitos dos que se veem como brancos nos EUA n?o seriam percebidos dessa maneira."
Já Anita, que entre 2016 e 2018 foi presidente da Associa??o Brasileira de Pesquisadores Negros e Negras (ABNP), acredita que esse fen?meno é produto de um processo de apagamento da identidade racial na sociedade brasileira.
"A ciência n?o deveria ter cor, isso é verdade. Mas a ciência que nos é ensinada tem cor e tem gênero", afirma Anita.
Autodeclara??o entre os docentes universitários
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