‘Brasil em Constitui??o’: Carta de 88 foi o primeiro documento a tratar o racismo como crime no país
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13 Sep 2025(atualizado 13/09/2025 às 20h15)O episódio desta ter?a-feira (13) da série "Brasil em Constitui??o" vai mostrar que a Cart
‘Brasil em Constitui??o’: Carta de 88 foi o primeiro documento a tratar o racismo como crime no país
O episódio desta ter?a-feira (13) da série "Brasil em Constitui??o" vai mostrar que a Carta promulgada em 1988 foi o primeiro documento a tratar o racismo como crime.
“Qualquer grande modifica??o passa mesmo por umas tantas dores. Muitas já passadas,??oCartadefoioprimeirodocumentoatrataroracismocomocrimenopaípinnacle studio 21 pt br muitas presentes, o racismo estrutural, o preconceito estrutural. O país precisa de se enxergar e o país somos todos nós”, afirma a ministra do STF Cármen Lúcia.
Repórter: Você sentiu racismo muito antes de entrar em campo?
Mário Aranha, ex-goleiro e escritor: Muito antes, e o futebol nem a fama me livraram disso.
'Brasil em Constitui??o': veja os vídeos da série especial do Jornal NacionalVeja os bastidores da série 'Brasil em Constitui??o'
Mário Lúcio Duarte Costa, o Aranha. Assim como milh?es de brasileiros, o jogador de futebol, escritor, casado, pai, tem muita história para contar.
Aranha: Desde pequeno eu percebia que as pessoas mudavam de cal?ada quando cruzavam comigo na rua. A gente tem que se comportar de uma maneira diferente quando vai em uma loja, n?o esquecer documento. Ent?o você vai, a pessoa negra vai desde crian?a, se moldando para fugir do perigo que é, né.
Repórter: Em 2014, aconteceu um episódio que imagino tenha marcado sua vida, mas marcou muito o futebol brasileiro e o Brasil como um todo.
No segundo tempo do jogo entre Grêmio e Santos pela Copa do Brasil, o goleiro do time paulista foi ofendido por parte da torcida do Grêmio, que estava atrás do gol.
“A torcida xingar, pegar no pé... normal, mas come?aram com palavras, palavras racistas: ‘preto fedido, seu preto, bando de preto, cambada de preto’. Até aí estava nervoso, mas já estava me segurando. Quando come?ou um corinho, aquele corinho de macaco. Fizeram rápido e pouco para n?o dar tempo de filmar”, relatou o jogador Aranha, após a partida em 2014.
Mas as cameras estavam de olho.
“Foi a primeira vez que aconteceu comigo que eu tive condi??es de provar e de poder fincar uma bandeira ali, bater o pé, me posicionar”, explica o goleiro.
A família do Aranha se defendeu junto com ele. Bernardo, de 13 anos, entrou em uma rede social para dar apoio ao pai: “Eu tenho orgulho de ter um pai negro. Eu falei: ‘for?a, pai, eu te amo’”.
O caso foi parar na Justi?a e quatro torcedores foram acusados de injúria racial.
N?o é por acaso que os estádios de futebol s?o um palco importante no combate ao racismo. Na arquibancada gigante, o torcedor se transforma em um pontinho na multid?o e muitas vezes o ódio se revela. Mas quando entram em campo, consciência e Constitui??o e formam um time poderoso. Gra?as ao que está escrito, a regra do jogo é exigir respeito. Em vez dos gritos do preconceito, hoje ecoa pelo estádio uma outra voz.
“Está na Constitui??o. Racismo é crime. Durante muitos anos, muitas pessoas achavam que eram superiores a outra pela cor da sua pele, por ser branca. Ent?o é necessário a gente cravar na Constitui??o que isso é crime. Que você diminuir a vida de outra pessoa simplesmente porque o seu tom de pele é mais claro. Isso n?o é certo, n?o é honesto, n?o é humano”, diz Aranha.
Em 1988, no dia 13 de maio, entrou em discuss?o uma proposta, do deputado Carlos Alberto Oliveira, que definiu o racismo como crime inafian?ável e sem direito a anistia.
“Pela primeira vez na história republicana, exatamente neste ano que estamos comemorando cem anos de aboli??o, nós estamos criando um mecanismo que permitirá um combate duro ao racismo, à prática do racismo no nosso país”, apontou o deputado, em 1988.
“N?o há pior discrimina??o, que vitima também os negros, do que os baixos salários, a má distribui??o de renda e a miséria”, disse o presidente da Constituinte Ulysses Guimar?es.
E, assim, ficou escrito na nossa Constitui??o, no artigo 5o, inciso 42: "A prática do racismo constitui crime inafian?ável e imprescritível, sujeito à pena de reclus?o, nos termos da lei”.
Inafian?ável significa que a pessoa n?o tem o direito de pagar, entregar algum dinheiro para continuar solta. Imprescritível significa que pode passar muito tempo, mas a pessoa continua sujeita a ser processada.
“Cem anos depois da aboli??o, o Brasil ganha um documento que possa permitir superar a mazela do racismo e nessa perspectiva é que nós participamos da luta política pela conquista da constituinte e da Constitui??o. A proclama??o deste importante documento brasileiro”, declara Juarez, jornalista que dá aulas na Universidade Estadual Paulista, a Unesp.
Repórter: Professor, o senhor fez esse balan?o histórico, mas quando a gente olha para um passado bem recente, por exemplo, Dia da Consciência Negra, em 2019. Nós ainda vemos fatos chocantes.
"Passei por um rapaz na rua, me chamou de macaco. Cheguei perto dele, estava com uma faca, um canivete e ele me deu um estocada. Eu nem senti. Eu só me dei conta depois, quando eu fui ver a camisa toda ensanguentada. O que eu estou mais indignado é de no Dia Nacional da Consciência Negra, eu sou um militante nacional da luta antirracista no Brasil e sofrer um atentado desse em Bauru. Acho que isso é indigno para mim, indigno para sociedade, indigno conviver com uma pessoa como essa e a gente tem que tomar providência, por isso que estamos aqui na delegacia”, afirmou o jornalista Juarez, na época do crime.
Juarez: O delegado, ele registrou o boletim de ocorrência como injúria racial e como agress?o.
“Muita coisa que deveria ser tratada como crime de racismo acabou sendo tipificada ao longo dos últimos anos como injúria racial, e nesse sentido poderia prescrever, era um crime que poderia ter uma resposta penal mais branda”, explica a defensora pública Lívia Casseres.
Juarez: Nós queremos que seja tipificado como tentativa de homicídio e como racismo para que de fato o espírito dos constitucionalistas de 1988 seja assegurado com essa compreens?o.
Em outubro de 2021, o crime de injúria racial foi equiparado ao crime de racismo pelo Supremo Tribunal Federal.
“E é preciso superar essa vergonha histórica da sociedade escravocrata. E é preciso saber que se se mantiver esse resquício de uma sociedade que n?o pode mais existir no mundo, a pessoa tem de saber que ela será criminalizada, e isso é um bom meio de dissuas?o”, aponta o ministro do STF Luiz Fux.
“A palavra tem um poder muito grande de ferir e essa lei veio para somar. Mas a gente precisa ter mesmo é uma mudan?a cultural, n?o depender somente da lei para fazer o que é certo”, aponta Aranha.
Mario Lucio, Juarez seja Livia ou Maria. Quantos brasileiros ainda sentem o preconceito na pele?
Em 2015, o vestiário da Unesp, no campus de Bauru, amanheceu com picha??es racistas que ofenderam diretamente o professor, as mulheres e os estudantes negros.
“Mais chocante para mim foi o que aconteceu com uma servidora terceirizada, que faz a limpeza do banheiro. Dona Maria, ela disse o seguinte: ‘Me chamam de negra fedida, mas sou eu que limpo a sujeira dessas pessoas’. Na semana seguinte, alguém foi lá emporcalhou o banheiro e escreveu ‘limpa de novo, negra fedida’. Ent?o esse tipo de a??o, que eu acho que ela é extremamente violenta”, aponta Juarez.
Maria: Eu n?o tenho estudo, eu fui assim. Trabalhar na ro?a, trabalhar de empregada. Minha vida foi dedicada ao servi?o.
Repórter: Ent?o, quando a senhora entrou lá, a senhora n?o entendeu tudo logo de cara?
Maria: N?o, n?o entendi tudo, n?o. Só entendi algumas palavras que era o nome dele, Juarez, e macaco.
Quinhentos anos de história do Brasil resumidos em uma frase: dona Maria Trabalha na universidade e n?o sabe ler.
“Historicamente, o povo negro brasileiro conhece a Justi?a e as leis pela viola??o da sua dignidade, da sua cidadania e o direito autorizava a pena de morte contra pessoas escravizadas. Ent?o eu diria que a Constitui??o de 88 foi o primeiro documento que transformou isso. Foi o primeiro documento legal que finalmente se colocou do lado da popula??o negra. Porque até ent?o no Brasil o racismo só era tratado como contraven??o penal, pela Lei Afonso Arinos”, explica Lívia.
A Lei Afonso Arinos surgiu em 1951, mas ainda tratava o racismo como uma ofensa menor, que n?o era grave o suficiente para ser considerada crime. Mesmo assim, a lei literalmente abriu portas. A lei e a coragem de uma brasileira.
Repórter: Glória, você já nos contou tantas histórias. Uma das histórias que você contou que foi importante para o Brasil naquele momento, porque além de contar a história, você tomou uma atitude. Vamos acompanhar ali.
“Na madrugada de hoje, por volta de 1h da manh?, eu tentei subir em um dos apartamentos aqui deste hotel, o Rio Othon Palace, na Avenida Atlantica, em Copacabana, aqui no Rio, e fui barrada. Mas fui barrada, n?o por ser jornalista, ou por outro motivo qualquer. Eu fui barrada por ser negra, um dos gerentes, o senhor Stanley Petronis, disse que ‘negra aqui n?o poderia entrar’. Ent?o, eu fui até a 13a delegacia e registrei queixa, baseada na Lei Afonso Arinos”, relatou a jornalista Glória Maria, no Jornal Hoje em 1980.
Glória Maria: Foi um momento de muita dor. Porque o racismo, ele dói na alma. Quem n?o é preto, nunca vai entender isso e eu sabia que aquilo n?o podia acontecer. Eu n?o poderia ser discriminada, ser humilhada por causa da cor da minha pele. Porque na época que eu denunciei com a Lei Afonso Arinos. Esse gerente do hotel ele foi mandado embora do Brasil, só isso. N?o passou um dia na pris?o, foi embora. Acabou, acabou. Agora n?o. A gente tem como punir.
Repórter: Que diferen?a esse artigo faz na sua vida e na vida dos negros do Brasil?
Glória Maria: A diferen?a total, se n?o estivesse na Constitui??o, eu realmente n?o imagino o que seria de nós, pretos. Eu acho que a gente estaria vivendo exatamente como no tempo da escravid?o.
“Muitas pessoas formadoras de opini?o adquiriram consciência de que existe um racismo estrutural e de que ele precisa ser enfrentado. A Constitui??o oferece um instrumental, mas as institui??es têm que trabalhar e a sociedade tem que trabalhar. Quer dizer, um país, uma democracia, n?o é feita de estado e de poder público. é feita de cidad?os e de sociedade civil”, explica o ministro do STF Luís Roberto Barroso.
“Nós aprendemos a ser dignos. Nós aprendemos a ser solidários. Porque sem isso nós somos apenas egoístas desumanos. S?o objetivos da República Federativa do Brasil construir uma sociedade livre, justa e solidária”, diz a ministra Cármen Lúcia.
Nota da reda??o em 14/06/2023: Chester Stanley Petronis foi absolvido das acusa??es de racismo.
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