Os aditivos químicos presentes em 4 de cada 5 alimentos vendidos nos mercados do Brasil
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13 Sep 2025(atualizado 13/09/2025 às 20h23)1 de 3 Pesquisa revelou um uso intensivo de aditivos em alimentos industrializados — Foto: Getty
Os aditivos químicos presentes em 4 de cada 5 alimentos vendidos nos mercados do Brasil
1 de 3 Pesquisa revelou um uso intensivo de aditivos em alimentos industrializados — Foto: Getty Images via BBC
Quando a nutricionista Vanessa Montera investigou a presen?a de aditivos em alimentos vendidos nos supermercados,loteria federal mega 1964 ela levou um susto — n?o só porque muitos tinham (o que ela já esperava), mas porque alguns tinham vários aditivos, e muitos deles só servem para disfar?ar que certas comidas poderiam ser difíceis de engolir de outra forma.
Seu estudo mostrou que os aditivos est?o por toda parte no mercado: quatro em cada cinco dos quase 9,9 mil alimentos analisados tinham ao menos um aditivos entre os ingredientes e um quarto tinham seis ou mais.
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O estudo de Montera foi o primeiro do tipo a ser feito nessa escala no Brasil. A nutricionista diz que, apesar de ser esperado que alimentos industrializados contenham aditivos — substancias naturais ou sintéticas que s?o usadas para alterar as características de um produto —, ela n?o imaginava que os encontraria nesse número.
"Alguns alimentos s?o coquetéis de aditivos. Chegamos a encontrar um produto de panifica??o que tinha 35. Foi o recorde."
Outra coisa que chamou sua aten??o foi o uso intensivo dos aditivos cosméticos, como s?o chamados por uma parte dos profissionais da área aqueles aditivos que mudam o sabor, o aroma e a forma dos alimentos, embora essa classifica??o n?o seja oficialmente reconhecida por autoridades brasileiras.
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Corantes, saborizantes, aromatizantes, emulsificantes, entre outros, garantem que alimentos que passaram por vários processos industriais na sua fabrica??o correspondam ao que os consumidores esperam deles. S?o usados porque esse processamento pode às vezes alterar os alimentos a ponto de deixá-los irreconhecíveis.
Diferentemente de outros aditivos, como os conservadores, por exemplo, os aditivos cosméticos n?o ajudam a fazer com que as comidas sejam mais baratas, durem mais tempo, cheguem a mais pessoas ou possam ser consumidas com mais seguran?a.
Na prática, s?o o equivalente a uma maquiagem dos alimentos. "N?o precisariam nem estar ali", diz Montera.
Sua presen?a nos alimentos, principalmente quando s?o muito frequentes, funciona como um indicativo de que este alimento é ultraprocessado — e cada vez mais pesquisas associam esse tipo de comida a doen?as.
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A Agência Nacional de Vigilancia Sanitária (Anvisa) regula o uso dos aditivos em alimentos e estabelece os níveis máximos de consumo diário para uma pessoa.
Mas alguns nutricionistas têm dúvidas se esses limites s?o realmente seguros, porque comemos cada vez mais alimentos ultraprocessados, que têm muitos aditivos.
Eles apontam ainda para evidências de que há aditivos que podem fazer mal à saúde — o que a indústria nega — e também para problemas na forma como esses ingredientes s?o informados nos rótulos.
Por isso, defendem que as regras sejam revistas pela agência, e está previsto que isso ocorra em breve.
Outro questionamento vem da compara??o desta pesquisa brasileira com um estudo semelhante na Fran?a, que apontou um uso substancialmente menor de aditivos por lá.
Isso indicaria, de acordo com cientistas, que muitos produtos vendidos no Brasil s?o mais artificiais e de pior qualidade.
O que s?o aditivos alimentares
2 de 3 80% dos produtos analisados tinham ao menos um aditivo e 25% tinham seis ou mais — Foto: Getty Images via BBC
Aditivos s?o qualquer ingrediente adicionado ao alimento sem o propósito de nutrir.
Eles modificam as características físicas, químicas, biológicas ou sensoriais do produto, durante sua fabrica??o, processamento, prepara??o, tratamento, embalagem, acondicionamento, armazenagem, transporte ou manipula??o.
Essas substancias ajudam a garantir que podemos consumir um alimento sem riscos, por exemplo.
Embora bastante associados à alimenta??o moderna, eles n?o s?o uma novidade. Já eram usados em sociedades antigas, como o sal que é adicionado para preservar uma comida.
O vinagre das conservas, o a?úcar dos alimentos cristalizados e a fuma?a da defuma??o s?o outros exemplos de aditivos bastante comuns.
Mas também se tornaram bem comuns aditivos sintéticos, que passaram a ser empregados pela indústria para produzir comida em larga escala e fazer com que ela chegue em boas condi??es para os consumidores.
De acordo com a Organiza??o Mundial da Saúde (OMS), o uso dos aditivos se justifica quando ele tem uma utilidade clara, como preservar o valor nutricional ou a estabilidade de um alimento, e n?o é usado para enganar o consumidor.
Cientistas também apontam que seu uso excessivo pode ser problemático.
Aditivos por toda parte
3 de 3 Bebidas de fruta, refrigerantes e outros produtos semelhantes s?o o que têm mais aditivos, de acordo com o estudo — Foto: Getty Images via BBC
A nutricionista Vanessa Montera investigou em seu estudo como esses aditivos s?o usados pela indústria no Brasil.
Esse trabalho foi sua tese de doutorado pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e foi publicado no periódico Food and Function, da Sociedade Real de Química, do Reino Unido.
A nutricionista analisou uma base de dados elaborada pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor a partir da visita a dez lojas das cinco maiores redes de supermercado do país em duas cidades, Salvador e S?o Paulo.
Todos os produtos embalados tiveram seus rótulos fotografados. De cerca de 14 mil itens, foram excluídos os que estavam duplicados, as águas engarrafadas e aqueles que n?o tinham informa??es nutricionais nas embalagens. Restaram 9.856 alimentos, que foram divididos em 25 categorias.
Em seguida, foram verificados os ingredientes de cada um deles. A cientista concluiu que 79,4% tinham ao menos um aditivo.
Mas isso conta apenas uma parte da história, porque a minoria (11,6%) tinha um aditivo só, enquanto 19,8% tinham dois ou três, 23,2% tinham quatro ou cinco e 24,8% — a maior parcela do total — tinham seis ou mais.
Os produtos com mais aditivos foram as bebidas de fruta saborizadas (com teor de suco abaixo de 30% e pós e concentrados para preparo de refrescos). Nesses produtos, em média, os aditivos representavam 79,7% do número total de ingredientes listados.
Também se destacaram refrigerantes (74,5%), outras bebidas (57,3%) — tais como aquelas à base de soja, chás prontos para consumo, bebidas para desportistas, leite de coco —, produtos lácteos n?o ado?ados (51,1%), néctares (49,7%), produtos lácteos ado?ados (45,6%) e doces e sobremesas (45,4%).
Entre os cinco aditivos mais usados, quatro eram do tipo cosmético — a exce??o foram os conservadores, que fazem com que os alimentos durem mais tempo.
Os aromatizantes, que d?o cheiro a um produto, foram de longe o aditivo mais comum. Estavam em 47,1% dos produtos.
Depois, vieram os conservadores (28,9%), os corantes (27,8%; conferem cor à comida), os estabilizantes (27,6%; mantêm a dispers?o de componentes) e os emulsificantes (19,4%; mantêm uma mistura).
"Os conservadores têm um propósito, porque a indústria precisa fazer com que esses produtos possam ficar mais tempo na prateleira, mas os aditivos cosméticos só servem para deixar o p?o mais fofinho, fazer o iogurte ficar rosa, deixar o creme de leite mais branco. Seu único propósito é tornar o produto mais atraente para o consumidor e, por isso, n?o s?o estritamente necessários", avalia Montera.
A nutricionista argumenta que sua pesquisa mostra que a indústria de alimentos está pesando a m?o no uso desses ingredientes.
"Tinha um produto que tinha um umectante [que previne a perda de umidade] e um antiumectante [que impede a absor??o de umidade]. Qual é o sentido disso?", questiona.
O que dizem as regras
A principal preocupa??o é com o impacto no corpo que o consumo desses aditivos causa, dizem os nutricionistas.
O Ministério da Saúde se negou a comentar o assunto e disse à BBC News Brasil que caberia à Anvisa tratar do tema.
A agência afirmou por sua vez, em comunicado, que analisa os riscos envolvidos no consumo de aditivos e determina quais s?o permitidos e seus limites máximos, para que a indústria possa tirar proveito deles sem prejudicar os consumidores.
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As substancias s?o avaliadas caso a caso, segundo a Anvisa, e o fabricante precisa comprovar que elas s?o seguras, necessárias e que o consumo médio esperado n?o traz perigos.
A agência disse ainda que segue as regras e recomenda??es da OMS, da Organiza??o para Alimenta??o e Agricultura, e o que é praticado na Uni?o Europeia e nos Estados Unidos.
Mas nutricionistas ouvidas pela reportagem acreditam que a Anvisa pode (e deve) fazer melhor.
Um dos problemas apontados é que os limites diários determinados pela agência levam em conta a ingest?o de um aditivo individualmente e determinam o quanto pode ser usado em um único produto.
Mas isso seria colocado em xeque pelo aumento em todo o mundo, medido por diversas pesquisas, do consumo de produtos ultraprocessados, que contêm muitos aditivos.
Isso significa que, na prática, n?o é difícil alguém consumir mais de um alimento que contém o mesmo aditivo e ir além do limite considerado seguro.
Também n?o seria levado em considera??o nas regras atuais que esses aditivos s?o consumidos muitas vezes de forma combinada. Como a pesquisa de Vanessa Montera mostra, é comum que alimentos tenham vários aditivos.
Por fim, a lei brasileira n?o exige que o rótulo informe a quantidade de aditivos usada em cada produto, explica Daniela Canella, pesquisadora do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutri??o e Saúde da Universidade de S?o Paulo (Nupens-USP).
"N?o temos como saber o quanto estamos comendo. A indústria diz que isso é segredo industrial e que n?o revela para que os concorrentes copiem seus produtos, mas isso significa que a gente desconhece o quanto a gente consome de aditivo no Brasil", diz Canella, que também é professora da Uerj e orientou Montera em sua pesquisa de doutorado.
O que diz a ciência
A ciência ainda é inconclusiva sobre se os aditivos causam ou n?o prejuízos à saúde.
Há estudos que apontam indícios de que seu consumo por pode estar ligado a distúrbios de comportamento, transtornos mentais, alergias, altera??es no metabolismo do corpo, obesidade e cancer.
Existe ainda a preocupa??o com o fato de os ultraprocessados acostumarem nosso paladar a um excesso de certos ingredientes, como sódio e a?úcar, tornando mais difícil adquirir o gosto pelos alimentos in natura, que s?o fontes de nutrientes.
A indústria de alimentos diz que os aditivos s?o importantes para garantir a seguran?a e o valor nutricional dos alimentos e que n?o há por que se preocupar.
A Associa??o Brasileira da Indústria e Comércio de Ingredientes e Aditivos para Alimentos disse à BBC News Brasil que o número de aditivos na composi??o de um produto "n?o tem nenhuma rela??o" com o alimento ser saudável ou n?o.
"A quantidade máxima permitida leva em conta a intera??o entre os aditivos em todas as categorias de alimentos, bem como a ingest?o diária aceitável, com base no perfil alimentar da popula??o brasileira", declarou a entidade.
Por sua vez, a Associa??o Brasileira da Indústria de Alimentos disse à reportagem que os aditivos s?o usados em "pouquíssimas quantidades" e controlados rigorosamente.
"N?o há evidências que demonstrem que a combina??o de aditivos num mesmo alimento possa oferecer riscos à saúde humana", afirmou a associa??o.
Um dos motivos é que essas pesquisas quase n?o s?o feitas, argumenta Daniela Canella.
"N?o há estudos no Brasil e existem pouquíssimos no mundo que analisam os aditivos somados, isso normalmente é feito com cada um deles sozinho. é possível que o efeito cumulativo deles n?o seja seguro", afirma a nutricionista.
Vanessa Montera aponta outros problemas. De acordo com a pesquisadora, a maioria das pesquisas, que s?o feitas pela própria indústria, analisam apenas se os aditivos s?o tóxicos ou causam muta??es nas células e n?o investigam os prejuízos que podem causar ao metabolismo, ou seja, ao funcionamento do corpo.
"Tem alguns estudos que apontam efeitos preocupantes, mas realmente n?o é nada que nos fa?a bater o martelo. Mas, ainda assim, deveria ser adotado o princípio da precau??o, porque, da mesma forma que n?o dá pra dizer com 100% de certeza que s?o prejudiciais, também n?o dá pra garantir que n?o s?o", diz a cientista.
Além disso, os estudos s?o realizados majoritariamente em animais, explicam os especialistas. N?o seria ético fazer pesquisas dos efeitos em humanos, dando aditivos às pessoas para ver o que acontece.
A saída, explica Canella, é fazer os chamados estudos observacionais, em que se acompanha um grupo de pessoas por um tempo e se analisam seus hábitos e estilo de vida e os problemas de saúde para ver se há alguma correla??o.
"é difícil fazer estudos assim porque sempre pode ter havido outra influência. Pode ter sido a polui??o, e n?o o aditivo, que causou uma doen?a, por exemplo. Por isso, o nível de evidências nunca vai ser o ideal, o que é uma maravilha para a indústria, que sempre vai poder dizer que n?o dá pra estabelecer uma rela??o de causa e consequência, e é verdade", diz a pesquisadora da USP.
Anvisa vai rever regras de aditivos
Uma outra preocupa??o surge com a compara??o do estudo feito por Montera no Brasil com outro na Fran?a.
A pesquisa com 126 mil produtos alimentícios disponíveis nos supermercados franceses apontou que 53,8% tinham aditivos e 11,3% tinham cinco ou mais aditivos — bem abaixo dos índices encontrados no estudo brasileiro.
"Isso mostra que talvez a qualidade dos alimentos que est?o sendo oferecidos aqui é pior do que a dos alimentos de lá", diz Montera.
A nutricionista afirma ainda que, se a amostra do estudo nacional fosse t?o grande quanto a da pesquisa francesa, os resultados poderiam ser ainda piores.
"A Europa tem um controle maior sobre o uso de alguns aditivos alimentares", explica Montera.
Ter mais aditivos é sinal de pior qualidade porque essas substancias s?o usadas muitas vezes para substituir ingredientes naturais.
Em tese, por exemplo, uma empresa poderia usar morangos de verdade para deixar o iogurte rosa, mas morangos s?o mais caros do que um corante.
Os aditivos também servem para "maquiar" os produtos ultraprocessados, diz Canella, tornando seu aspecto, textura e gosto aceitáveis.
A nutricionista defende que cabe ao governo brasileiro exigir padr?es de qualidade melhores das fabricantes de alimentos.
"Os países têm legisla??es mais e menos rigorosas. Se em um lugar você pode usar matéria-prima de pior qualidade, esse país se torna um refugo da indústria. Se dá pra produzir mais barato e a legisla??o n?o barra, por que uma empresa vai ter mais despesa e menos lucro?", questiona Canella.
Também seria bom que os rótulos informassem melhor sobre esses ingredientes, indicando sua quantidade, por exemplo, acrescenta Montera.
O Brasil terá uma oportunidade de aprimorar suas regras para os aditivos. Está prevista na agenda da Anvisa para o período entre 2021 e 2023 a moderniza??o das regras e procedimentos para autoriza??o do uso dos aditivos em alimentos.
Mas, questionada sobre esse assunto, a agência disse à BBC News Brasil que n?o iria comentar.
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