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Síndrome de Pandas: como infec??o comum na garganta pode afetar o cérebro das crian?as

1 de 3 Charlie teve os primeiros sintomas da Síndrome de Pandas durante seu aniversário de 8 anos. — Foto: Kate Drury

No aniversário de oito anos de Charlie Drury,índromedePandascomoinfec??ocomumnagargantapodeafetarocérebrodascrian?st1ckman poker sua vida mudou para sempre.

Era novembro de 2012 e o dia seguia com toda a divers?o típica de uma festa de aniversário — bolo, presentes e comidas temáticas.

Mas, durante a festa, a m?e de Charlie, Kate Drury, percebeu algo estranho no comportamento do filho.

Come?ou com um tique no olho e ent?o ele come?ou a cheirar as m?os. Mais tarde, ele teve febre.

Drury levou o filho a uma clínica de atendimento de emergência perto da casa da família, em Illinois, nos Estados Unidos. Lá, ele foi diagnosticado com faringite estreptocócica, popularmente conhecida como infec??o de garganta causada por bactéria.

Nas semanas seguintes, a saúde de Charlie piorou de uma forma que deixou Drury perplexa. Ele ficou t?o sensível ao cheiro que ela precisou parar de cozinhar em casa.

O menino desenvolveu uma ansiedade de separa??o extrema, e o simples toque da m?e fazia com que ele gritasse e esfregasse a pele com for?a no local de contato.

Ele mal conseguia dormir, desenvolveu anorexia e se recusava a tomar banho.

Passou a arremessar objetos pela casa, ter alucina??es e dificuldade para ler e escrever.

Drury mal reconhecia o filho, antes um aluno promissor, atleta e sem histórico de problemas comportamentais. "Eu perdi meu filho em um dia", disse.

Após mais de um mês de agonia e confus?o, os psiquiatras diagnosticaram Charlie com uma condi??o pouco conhecida chamada "transtornos neuropsiquiátricos autoimunes pediátricos associados a infec??es estreptocócicas" ou Síndrome de Pandas.

2 de 3 Charlie Drury, que hoje tem 20 anos, precisa de tratamento de troca de plasma regularmente e vai precisar pelo resto da vida. — Foto: Katy Drury

Crian?as com Síndrome de Pandas apresentam uma manifesta??o súbita e marcante de tiques ou sinais de transtorno obsessivo-compulso (TOC), com sintomas que muitas vezes aparecem da noite para o dia.

Da mesma forma repentina, uma crian?a com Síndrome de Pandas pode desenvolver uma série de outros problemas, como regress?o em habilidades motoras ou de desenvolvimento, comportamento agressivo, mudan?as bruscas de humor, dor, irritabilidade, distúrbios do sono, entre outros.

A prevalência exata da condi??o é difícil de determinar, mas especialistas concordam que a condi??o n?o é comum.

Uma estimativa sugere que, a cada ano, uma a cada 11.800 crian?as pode desenvolver o Pandas ou uma condi??o relacionada chamada Síndrome Neuropsiquiátrico de Início Agudo Pediátrico (Pans), embora os números variem bastante de estudo para estudo.

Ela parece, contudo, ser mais frequente em meninos do que meninas, de acordo com dados de um registro internacional de pacientes, e afetar crian?as antes da puberdade.

"Por motivos óbvios, os pais ficam completamente aterrorizados" quando esses problemas surgem, afirma Shannon Delaney, neuropsiquiatra infantil que atende pacientes com a condi??o em Nova York.

"Ou?o com frequência eles dizerem: 'parece que meu filho n?o está mais aqui. Parece que ele foi possuído'."

O estudo da Síndrome de Pandas

Pesquisadores do Instituto Nacional de Saúde dos EUA (NIH, na sigla em inglês) descreveram a Síndrome de Pandas na década de 1990. Mesmo naquela época, a ideia de que infec??es estreptocócicas poderiam causar complica??es neurológicas n?o era nova.

Em 1894, médicos relataram pacientes com uma condi??o neurológica chamada Coreia de Sydenham após infec??es de garganta.

Cerca de 100 anos depois, um grupo liderado por Susan Swedo, ent?o chefe da divis?o de pediatria e neurociência do desenvolvimento do NIH, publicou evidências que indicavam que infec??es na garganta também estavam relacionadas ao surgimento repentino e impressionante de sintomas neuropsiquiátricos típicos em pacientes com Pandas.

Mas como uma garganta inflamada por uma bactéria — uma doen?a comum que afeta centenas de crian?as em todo o mundo todos os anos — poderia causar uma resposta t?o intensa em um pequeno grupo delas?

Esse tem sido o foco intenso de debate científico ao longo dos anos. Mas Swedo, hoje diretora científica da Pandas Physicians Network, nos Estados Unidos, resume a quest?o assim:

"O estreptococo [bactéria] errado pode levar a uma resposta imunológica equivocada."

Em outras palavras, o sistema imunológico de algumas crian?as — possivelmente aquelas com uma susceptibilidade genética — parece reagir de forma incorreta ao tentar combater a infec??o de estreptococos, produzindo anticorpos que atacam os próprios tecidos saudáveis do corpo. Esses anticorpos parecem entrar no cérebro e causar estragos.

3 de 3 Infec??es de bactéria estreptococo s?o uma causa comum em gargantas inflamadas em crian?as. — Foto: GETTY IMAGES via BBC

Estudos em animais indicam que isso pode acontecer em alguns casos porque as células imunológicas produzidas em resposta ao estreptococo viajam pelos nervos que ligam o nariz ao cérebro, enfraquecendo a barreira protetora cerebral.

Alguns cientistas continuam a questionar essa hipótese.

Mas vários grupos de pesquisas já publicaram estudos apontando para a inflama??o e outras mudan?as no cérebro de crian?as com Pandas — especificamente nos ganglios da base, que tem um papel fundamental no controle motor, aprendizagem, tomada de decis?es e respostas emocionais.

O TOC também tem sido associado a disfun??es nessa regi?o do cérebro.

Jennifer Frankovich, reumatologista pediátrica que dirige o Programa de Saúde Imuno-Comportamental de Stanford, nos EUA, e cuja equipe produziu algumas das pesquisas sobre inflama??o cerebral relacionada ao Pandas, afirma que tais descobertas s?o importantes porque indicam que "essa é uma doen?a real" causada por uma resposta autoimune, e n?o uma condi??o puramente psicológica.

Para pais que têm dificuldade de lidar com o comportamento de uma crian?a que repentinamente e dramaticamente mudou, essa revela??o por si só pode ser valiosa — especialmente porque, segundo Frankovich, existe uma tendência de atribuir o problema à má cria??o ou falha dos pais.

Outras doen?as respiratórias comuns, como a gripe, também já foram associadas a sintomas semelhantes aos da Síndrome de Pandas.

Pesquisas preliminares também sugerem que o Sars-Cov-2, vírus causador da Covid-19, pode tanto agravar sintomas já existentes quanto desencadear novos — talvez por aumentar a inflama??o em todo o corpo e/ou reativar outros vírus dormentes, segundo sugeriu um estudo de 2023.

A pesquisa e a experiência clínica de Delaney também indicam que infec??es transmitidas por carrapatos, que causam a doen?a de Lyme, podem ser um catalisador para os sintomas.

Quando um patógeno diferente do estreptococo parece desencadear sintomas neuropsiquiátricos de início súbito — o quando os médicos n?o conseguem identificar um gatilho específico — as crian?as recebem o diagnóstico mais amplo de Pans. Embora existam outras diferen?as nos critérios do diagnóstico, o Pandas é considerado um subtipo do Pans.

As infec??es podem ser desastrosas para pacientes com Pans/Pandas durante anos, afirma Sarah O'Dor, psicóloga clínica que dirige o Programa de Neuropsiquiatria Pediátrica e Imunologia do Hospital Geral de Massachusetts, em Boston, nos EUA.

Os sintomas tendem a oscilar, com períodos de remiss?o quase total, ou até completa, que podem durar anos.

"Mas, se a crian?a fica doente de novo — talvez infectada por um estreptococo ou por Covid — de repente esses sintomas voltam", afirma O'Dor

Encontrar tratamento para esses sintomas, seja quando eles aparecem pela primeira vez ou quando voltam a se manifestar, pode ser uma verdadeira odisseia para pacientes e suas famílias.

Poucos médicos s?o especialistas em Pans/Pandas, e alguns se recusam a tratar a condi??o ou até afirmam que ela n?o existe.

Um estudo com crian?as do Registro Internacional de Pans mostrou que 87% tiveram dificuldades para acessar cuidados adequados, por raz?es que incluem a falta de profissionais experientes e a dificuldade em conseguir cobertura de seguro de saúde.

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Tratamento

Quando uma crian?a é levada para tratamento, os médicos podem identificar sintomas psiquiátricos e, automaticamente, prescrever remédios psiquiátricos.

Esses medicamentos podem ajudar em alguns casos, mas eles também podem prejudicar — pesquisas indicam que muitos pacientes com Pans/Pandas s?o propensos a efeitos colaterais, mesmo em doses relativamente baixas. Outros simplesmente n?o respondem a eles.

A maioria dos pacientes precisa de uma abordagem multifacetada, que também trate a infec??o que causou os sintomas iniciais ou de recaída e os efeitos imunológicos associados a essa infec??o, explica O'Dor.

Se o tratamento come?a cedo, a rotina de medicamentos como antibióticos, esteroides e até analgésicos vendidos sem prescri??o podem fazer uma enorme diferen?a, afirma Frankovich, que ajudou a elaborar as diretrizes para o tratamento de Pans/Pandas.

Mas quando a condi??o permanece sem tratamento por muito tempo ou é particularmente grave, os pacientes podem precisar de terapias mais intensivas e invasivas, como imunoglobulina intravenosa (infus?es de anticorpos doados) ou troca de plasma (procedimento que remove e substituiu o plasma contaminado no sangue do paciente).

Em 1999, Swedo publicou uma pesquisa sugerindo que a imunoglobulina intravenosa e a troca de plasma eram eficazes contra os sintomas do Pandas. Quase 30 anos depois, ela diz "ser ridículo que as crian?as ainda n?o estejam recebendo ajuda".

Mas a ciência sobre o tratamento de Pans/Pandas ainda n?o está totalmente definida.

Um pequeno estudo de 2016, que tem Swedo como coautora, n?o encontrou uma diferen?a estatisticamente significante entre o tratamento com imunoglobulina intravenosa e um placebo.

Dois anos depois, uma revis?o europeia concluiu que s?o necessárias pesquisas mais rigorosas sobre o tratamento.

Ainda assim, muitos pacientes elogiam os resultados de tratamentos como o de imunoglobulina intravenosa.

Quando o filho de Drury desenvolvem Pandar há mais de uma década, ela estava disposta a pagar milhares de dólares pelo seu primeiro tratamento com imunoglobulina intravenosa que, segundo ela, "o trouxe de volta".

A experiência a motivou a se tornar uma ativista, pressionando pela cria??o de uma lei estadual que obrigasse os planos de saúde a cobrir tratamentos para pacientes com Pans/Pandas.

A Lei Charlie foi aprovada em Illinois em 2017, mas até hoje, Drury afirma que pode ser uma verdadeira luta conseguir os tratamentos adequados para o filho, hoje com 20 anos.

Charlie teve longos períodos de remiss?o, mas também crises severas. Segundo Drury, os médicos disseram que ele precisará de infus?es regulares, bem como de troca e plasma pelo resto da vida.

"Estávamos no hospital e eles diziam: 'n?o podemos te ajudar, mesmo com uma lei no nome dele'", lembra a m?e.

Atualmente, Pans e Pandas s?o reconhecidas por autoridades globais de saúde — a Organiza??o Mundial de Saúde, por exemplo, incluiu o Pandas em seu sistema de classifica??o de doen?as — e pesquisadores, além de grupos de apoio a pacientes ao redor do mundo, trabalham para melhorar a qualidade do cuidado e ampliar o acesso.

No Reino Unido, Pans e Pandas foram tema de uma audiência parlamentar em 2023.

Mas o ceticismo ainda persiste em alguns setores.

Em um relatório de 2025, a Academia Americana de Pediatria descreveu o Pans como "provavelmente" um diagnóstico válido, mas acrescentou que "o processo de diagnóstico é dificultado pela falta de evidência amplamente aceita para orientar o médico" e que "há muitas coisas desconhecidas sobre a condi??o".

é verdade que n?o existe um teste único capaz de diagnosticas Pans ou Pandas, nem um biomarcador definitivo que indique sua presen?a.

As altera??es no cérebro, associada com essas condi??es também s?o t?o sutis que elas n?o aparecem a olho nu em exames de imagem.

"Quando o radiologista lê a ressonancia, ele olha com os próprios olhos e pensa 'ah, este é um cérebro normal'. Ent?o, esses pobres pacientes acabam sendo liberados", afirma Frankovich.

Pesquisadores continuam estudando o Pans/Pandas, na esperan?a de entender melhor por que essas doen?as surgem, o que ocorre nos corpos dos pacientes e se existem biomarcadores que podem facilitar o diagnóstico e abrir caminho para novos tratamentos.

Um desses pesquisadores é Brent Harris, neuropatologista da Universidade de Georgetown, nos EUA, que supervisiona o Banco de Cérebros de Pandas/Pans e Outros Distúrbios Neuroimunes.

O banco de cérebros preenche uma lacuna importante na pesquisa.

Estudar os cérebros de pacientes com Pans/Pandas que já morreram permite uma análise muito mais detalhada do que os médicos conseguiam realizar quando os pacientes estavam vivos, explica Harris.

Por meio desse trabalho, ele e seus colegas encontraram evidências adicionais de inflama??o nos ganglios da base e em outras regi?es do cérebro. Harris espera que essas descobertas possam, futuramente, fornecer novos alvos para tratamentos.

'Era uma crian?a em um corpo diferente'

Ainda assim, Harris enfatiza que é necessário muito mais estudo.

Seu laboratório, por exemplo, trabalha com apenas nove cérebros doados, e seria preciso um número muito maior para fazer generaliza??es sobre essas doen?as.

Uma dessas doadoras é Alissa Johnson, que mora em Nova Jersey, nos EUA.

A filha dela, Louisa "Lulu" Johnson, morreu em 2021, depois de "dois anos e meio de dor e sofrimento inacreditáveis" causados pelo Pandas e agravados pela "falta de conscientiza??o" e pela "dificuldade de acesso ao tratamento", relata a m?e da menina.

Os sintomas de Lulu come?aram logo após o Ano Novo, em 2019, quando ela tinha 11 anos.

"Nós voltávamos de uma viagem no dia primeiro. No dia dois, era como se ela tivesse acordado em um corpo totalmente diferente."

A menina, que antes era uma "crian?a feliz, saudável e em pleno desenvolvimento", de repente perdeu o apetite, passou a ter distúrbios gastrointestinais, dificuldades para dormir e come?ou a agir de maneira estranha e assustadora — incluindo tentar sair de um carro em movimento.

Lulu foi hospitalizada diversas vezes durante o inverno e a primavera seguintes, testando positivo para estreptococos em fevereiro de 2019.

Mesmo assim, levou meses para que a família recebesse o diagnóstico de Pandas, período no qual Lulu recebeu medicamentos que n?o ajudaram, incluindo medicamentos psiquiátricos que desencadearam rea??es adversas.

Mesmo depois do diagnóstico, Johnson conta que conseguir o tratamento adequado n?o foi fácil.

"O consultório do nosso pediatria n?o quis mais saber de nós depois disso", relata.

E um atendimento no pronto-socorro, durante o qual Johnson se recusou a internar a filha em uma clínica psiquiátrica, resultou em uma denúncia ao Servi?o de Prote??o à Crian?a, segundo ela.

Eventualmente, Lulu foi tratada com medicamentos que alteram o sistema imunológico, incluindo a imunoglobulina intravenosa.

Mas, após uma série de trocas nas medica??es, sua condi??o se deteriorou, levando a sua morte em 2021.

"O sonho dela era se tornar uma imunologista e ajudar pacientes como ela", afirma Johnson.

Desde que ela faleceu, os pais de Lulu tentam honrar esse sonho de outras formas.

Eles fundaram o Fundo Louisa Adelynn Johnson para Doen?as Complexas com o objetivo de conscientizar sobre a condi??o e financiar pesquisas em doen?as neuroimunes.

Além disso, eles doaram postumamente o sangue e tecidos do cérebro de Lulu para o banco de cérebros da Georgetown, permitindo que seus resultados de exames fossem usados em outros estudos.

é uma espécie de conforto, afirma Johnson.

"é muito triste ver que só depois da morte dela as pessoas reconhecem o qu?o doente ela estava."

Mas, à medida que os cientistas v?o desvendando lentamente o mistério do Pandas, eles se aproximam de realizar o sonho de Lulu: poupar outras crian?as de vidas destruídas por algo que, em circunstancias normais, seria uma simples infec??o de garganta.