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'Plano de Trump é acabar com a ciência': ganhador do Nobel faz alerta sobre futuro da pesquisa nos EUA

1 de 1 Craig Mello foi ganahador do éacabarcomaciêvetor roletaNobel em 2006 — Foto: Arquivo Pessoal

O cientista norte-americano Craig Mello, especialista ganhador de Nobel, diz que o governo Trump tem como plano acabar com a ciência no país da forma como ela é conhecida.

Em entrevista exclusiva ao g1, o especialista criticou a postura sobre os cortes recentes, falou da desinforma??o em saúde, que vem causando mortes por sarampo em crian?as – doen?a que já n?o circula em países em desenvolvimento como o Brasil.

Mello, que é referência mundial em biologia molecular, recebeu o prêmio Nobel de Medicina em 2006 junto com seu parceiro Andrew Fire. Eles descobriram uma forma que as células têm de “desligar” genes.

?? Normalmente, o DNA manda instru??es para produzir proteínas por meio de uma molécula chamada RNA mensageiro. O que eles viram é que, quando aparece um RNA em dupla, ele consegue bloquear essa mensagem e impedir a produ??o da proteína.

Esse mecanismo, chamado de interferência de RNA, funciona como um bot?o de “l(fā)iga e desliga” dentro do corpo. Ele ajuda a controlar o que acontece nas células.

Em resumo, sua descoberta permite que, hoje, pesquisadores possam desenvolver pesquisas e medicamentos para silenciar genes que causam doen?as. Isso abriu um dos passos mais promissores para o tratamento de doen?as como cancer e Alzheimer.

A press?o sobre a ciência

Para que descobertas como a de Craig sejam usadas em pesquisas que podem silenciar genes que causam doen?as é preciso, no entanto, investimentos. E esse tem sido um ponto sensível no país desde a elei??o de Trump.

Desde que assumiu o governo, o presidente norte-americano vem anunciando uma sucess?o de medidas que pressionam pesquisadores. Uma delas é o corte federal às grandes universidades, que mantêm laboratórios e cientistas no país.

Além disso, houve reten??o de verbas no NIH, um dos principais financiadores federais de pesquisas em saúde, que mantém estudos para tratamentos do cancer, transplantes e vacinas, entre outros.

Entre as medidas, também foi anunciado um corte para as pesquisas de vacinas com mRNA, que estavam sendo desenvolvidas para combater vírus respiratórios como a Covid-19 e a gripe.

Craig explica que medidas como essa atrasam a possibilidade de sua descoberta ajudar pesquisadores a encontrarem tratamentos para doen?as graves.

?? Para cada mudan?a genética causadora de uma doen?a é preciso descobrir uma molécula. Isso exige uma sequência de testes da ordem de milh?es de dólares por etapa. Essas pesquisas podem ajudar em tratamentos de doen?as como cancer e Alzheimer.

Com o silenciamento genético seria possível, por exemplo, ter medicamentos que exigissem dosagens uma ou duas vezes por ano para doen?as como Alzheimer e obesidade. Isso porque seria possível silenciar a express?o genética que causa a doen?a por meses.

“Todos nós queremos mais pesquisas sendo feitas. [A pesquisa] n?o está consumindo o or?amento do país. O valor para toda a pesquisa biomédica financiada pelo governo federal é da ordem de menos de US$ 50 bilh?es (R$ 270 bilh?es). As doen?as que est?o envolvidas nessas pesquisas custam em atendimento trilh?es por ano”, explica.

Apesar da tens?o atual, Craig acredita que o movimento sobre os órg?os e universidades é semelhante aos projetos com tarifas, uma espécie de “blefe” do governo.

“Se o que o governo diz de fato for feito, os laboratórios v?o fechar, a ciência vai parar. Eu acho, sinceramente, que n?o vai chegar a esse ponto. Eu acredito que é um movimento como as tarifas, que n?o chega a ser implementado”, explica.

Desinforma??o e volta do sarampo nos EUA

Quando assumiu, Trump nomeou como secretário de Saúde dos EUA Robert F. Kennedy Jr., conhecido por seu negacionismo e ativismo antivacina. No passado, antes de assumir o cargo, o agora secretário disseminou desinforma??o, associando falsamente vacinas ao autismo.

Em junho, Kennedy demitiu 17 membros do Comitê Consultivo sobre Práticas de Imuniza??o e os substituiu por oito, incluindo céticos sobre o uso de vacinas.

Mello explica que as campanhas de desinforma??o têm levado a mortes evitáveis no país, como no caso do sarampo. Os Estados Unidos enfrentam uma epidemia com o maior número de casos em 25 anos, causada pela baixa imuniza??o contra a doen?a.

Para ele, um dos maiores desafios enfrentados hoje pelo mundo científico é a desinforma??o, e por isso defende maior participa??o social de pesquisadores para que a popula??o entenda o que está por trás de estudos sobre vacinas, por exemplo.

“Questionar a seguran?a é algo bom, a curiosidade sobre isso é normal. Mas é para responder a isso que fazemos todos os testes, comprovamos a seguran?a. (...) Mas há uma lacuna entre cientistas e a popula??o e precisamos trabalhar nisso”, explica.

Craig esteve na última semana em um evento com pesquisadores brasileiros para falar sobre pesquisa genética, o futuro da ciência e desinforma??o, organizado pelo grupo Balsa Bio, que reúne estudantes brasileiros no exterior.

Para Daniel Dahis, pesquisador e líder da Biodevek, uma startup incubada em Harvard e que organizou o evento, a aproxima??o de pesquisadores do nível de Craig, ganhador de um Nobel, é importante diante do cenário de desinforma??o geral no mundo.

“Nós em geral vemos essas figuras como muito distantes de nós, e talvez inalcan?áveis, e é muito bom ver que justamente muitas destas pessoas s?o as mais interessadas em inspirar as novas gera??es, ainda mais nos dias de hoje em que a nega??o da ciência vem ganhando voz na internet e no Brasil.”