O papel das redes de esgoto no monitoramento de surtos de doen?as
mibemy
13 Sep 2025(atualizado 13/09/2025 às 12h54)1 de 3 Em 2022, o vírus da poliomielite foi detectado no esgoto de diversas cidades, como Londre
O papel das redes de esgoto no monitoramento de surtos de doen?as
1 de 3 Em 2022, o vírus da poliomielite foi detectado no esgoto de diversas cidades, como Londres e Nova York — Foto: Getty Images/BBC
Quando iniciou sua carreira como microbiólogo, Warish Ahmed nunca imaginou que uma de suas principais tarefas seria peneirar litros e litros de esgoto bruto recolhidos dos dutos e bueiros do Estado de Queensland, na Austrália.
Ahmed é cientista pesquisador do Meio Ambiente da Organiza??o de Pesquisas Científicas e Industriais da Comunidade Britanica de Na??es (CSIRO, na sigla em inglês), na cidade australiana de Brisbane.
?? A chamada vigilancia de efluentes é usada há muito tempo como instrumento fundamental para rastrear um pequeno conjunto de patógenos mortais, como o vírus da poliomielite, a bactéria Vibrio cholerae (causadora da cólera) e a Salmonella typhi, a bactéria que causa a febre tifoide. Todos eles s?o transmitidos pela falta de boas práticas de saneamento.
Mas, nos últimos tempos, principalmente depois da pandemia de covid-19, as autoridades de saúde pública de todo o mundo come?aram a perceber que estudar o material presente no esgoto pode ser útil para acompanhar uma variedade muito maior de doen?as infecciosas, em tempo real.
O projeto conduzido por Ahmed e sua equipe, em colabora??o com a Universidade de Queensland, examinou os níveis de diversos patógenos respiratórios, como influenza, Sars-CoV-2, que causa a covid-19, e vírus sincicial respiratório (VSR).
Todos esses micro-organismos s?o excretados pelo intestino dos indivíduos infectados e acabam no esgoto recolhido em todo o Estado australiano. O VSR é de interesse específico, devido à sua alta taxa de mortalidade entre os idosos, especialmente quando há condi??es cardíacas e pulmonares pré-existentes.
N?o é apenas a presen?a de um patógeno específico que interessa os pesquisadores, mas a sua concentra??o.
"A concentra??o é altamente valiosa para acompanhar o aumento ou o declínio de doen?as", explica Ahmed. "Concentra??es elevadas de uma partícula viral podem indicar aumento da carga viral na comunidade."
Quando as informa??es s?o enviadas para as unidades de saúde pública da regi?o, elas agem como importante mecanismo de alerta precoce de que a incidência de uma doen?a infecciosa específica está aumentando. E, agora, novas plataformas tecnológicas est?o tornando a coleta de dados ainda mais eficiente.
2 de 3 O papel das redes de esgoto no monitoramento de surtos de doen?as — Foto: Getty Images/BBC
?? Tradicionalmente, a vigilancia dos efluentes envolve o trabalho desagradável e perigoso de coletar manualmente as amostras. Mas, em Queensland, cada encanamento agora é equipado com um dispositivo de coleta que recolhe amostras a cada hora, 24 horas por dia.
Essas amostras s?o diariamente combinadas para gerar uma mistura que pode ser analisada em instala??es especiais com testes PCR — uma técnica molecular empregada para identificar fragmentos de material genético.
Nos Estados Unidos, os Centros de Controle e Preven??o de Doen?as agora mantêm um sistema nacional de vigilancia de efluentes, que examina regularmente uma série de patógenos, como a mpox, usando tecnologia fornecida pela empresa Verily, de propriedade da Alphabet (controladora do Google).
Outras startups como a Biobot, criada por alunos do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês), procuram expandir a vigilancia de efluentes para todo o mundo.
Sua plataforma pode n?o só detectar vírus respiratórios no esgoto, mas doen?as alimentares, como norovírus, e os subprodutos metabolizados de drogas como cocaína, fentanil, metanfetamina e nicotina.
Um exemplo é o vírus do sarampo, que é um dos mais contagiosos do planeta. Existe atualmente um surto de sarampo no Reino Unido e a doen?a também vem crescendo nos Estados Unidos, com 23 casos entre dezembro de 2023 e janeiro de 2024.
O Brasil n?o registra novos casos da doen?a desde 2022.
No passado, os cientistas detectaram com sucesso fragmentos do RNA do vírus do sarampo no esgoto.
Ainda n?o existem programas oficiais de vigilancia utilizando esse método, mas se acredita que, no futuro, será possível fornecer alerta precoce da circula??o do vírus.
"Você precisa de muito menos amostras para caracterizar significativamente a dinamica dos patógenos locais, em compara??o com o alto volume de swabs nasais ou exames de sangue que, muitas vezes, s?o condicionados pela gravidade da doen?a. Mas mesmo as infec??es assintomáticas s?o detectadas nos esgotos."
Seguran?a sanitária nos países pobres
Enquanto a vigilancia de efluentes é extensamente utilizada nos Estados Unidos, na Austrália e no Reino Unido (onde está em andamento um programa que usa amostras do esgoto para identificar as regi?es do país com maior risco de incidência de pólio), o seu maior impacto provavelmente será a gest?o de surtos de doen?as em países de baixa renda.
Representantes da PolioPlus — a iniciativa global do Rotary Internacional para erradicar a poliomielite — indicam que a incidência da pólio foi reduzida em 99,9% nos últimos 35 anos, mas a doen?a permanece sendo um importante problema de saúde pública no Paquist?o e no Afeganist?o, onde o vírus da poliomielite é endêmico.
"No Paquist?o, existem 114 locais de vigilancia de efluentes e, no Paquist?o, há 33", afirma a diretora da PolioPlus, Carol Pandak. "Sem a vigilancia, seria impossível indicar onde e como o vírus da pólio ainda está circulando."
3 de 3 A análise dos patógenos no esgoto pode permitir a tomada de medidas contra eventuais surtos antes que eles fiquem fora de controle — Foto: Getty Images/BBC
No Brasil, o monitoramento do esgoto passou a ser uma ferramenta fundamental para a Prefeitura de S?o Paulo na sua luta permanente contra o vírus da hepatite A (HAV), uma infec??o que causa inflama??o hepática e, às vezes, exige o transplante do fígado.
?? Nos últimos anos, S?o Paulo sofreu dois grandes surtos de HAV, com 1.872 casos confirmados entre 2016 e 2023.
Segundo a virologista Tatiana Prado, da Funda??o Oswaldo Cruz, a cidade implementou um programa contínuo de vigilancia de efluentes em aeroportos e áreas de risco. O objetivo é monitorar novas emergências de HAV, além de outros vírus e bactérias.
Ela prevê que as novas tecnologias só continuar?o a ampliar as informa??es que esses programas podem fornecer.
"Est?o surgindo novas ferramentas de diagnóstico que poder?o gerar milh?es de dados sobre os diferentes tipos de micro-organismos em circula??o em um dado ambiente", afirma Prado.
"Mas o maior gargalo ser?o os investimentos necessários para a manuten??o dos sistemas de vigilancia e a interpreta??o de todos os dados gerados, para que sejam úteis para os gestores de políticas públicas."
Alerta precoce
Programas similares est?o sendo testados em partes da áfrica subsaariana, para detectar tuberculose e até parasitas como Cryptosporidium, que causa um tipo de diarreia.
A vigilancia de efluentes, sem dúvida, irá desempenhar um papel cada vez maior para fornecer inteligência para os sistemas de saúde globais sobre todas as formas de patógenos preocupantes.
? Os pesquisadores esperam que, nos próximos anos, a vigilancia em tempo real comece a gerar novas informa??es sobre a evolu??o de muitos vírus comuns. Isso permitirá prever eventuais variantes que possam contornar a imunidade vacinal existente.
Esta informa??o poderá ent?o ser rapidamente encaminhada para os fabricantes de vacinas, permitindo que eles atualizem suas doses antes que o novo patógeno evoluído esteja mais disseminado na comunidade.
"Existem trabalhos em andamento para compreender o significado deste ponto para quest?es importantes da virologia, como o surgimento de variantes de interesse."
"Já se demonstrou que podemos detectar a presen?a de novas variantes virais nos esgotos pelo menos 10 dias antes de outras formas de vigilancia, [oferecendo] antecedência que é essencial para que as autoridades de saúde pública e demais interessados forne?am orienta??es e para que os membros do público alterem seus comportamentos, se necessário."
Informa??es similares também podem ser usadas para preservar e proteger antibióticos para que eles continuem funcionando para as gera??es futuras. Examinando amostras de esgoto, será possível determinar a presen?a de genes resistentes — segmentos de DNA que fornecem às bactérias a capacidade de sobreviver ao tratamento com certos antibióticos.
Para a professora Amy Pruden, da Virgínia Tech (o Instituto Politécnico e Universidade Estadual da Virgínia, nos Estados Unidos), este tipo de vigilancia poderá ajudar a indicar as comunidades que enfrentam problemas de resistência, alertando os médicos sobre possíveis infec??es que estejam se espalhando entre a popula??o.
A vigilancia também poderá fornecer mais informa??es para que os médicos possam prescrever o antibiótico mais eficaz para os seus pacientes.
"Uma ideia que está se popularizando é a possibilidade de uso de sequenciamento de DNA metagen?mico", explica Pruden.
"A beleza desta técnica é que ela permite sequenciar o DNA de todas as bactérias do esgoto de uma vez, compará-lo com os bancos de dados e ver quais os tipos de patógenos provavelmente est?o presentes e quais tipos de genes de resistência eles podem carregar. Existe muito potencial aqui, mas ainda estamos nos primeiros estágios de aplica??o."
A esperan?a é que esse trabalho de vigilancia também possa detectar futuros surtos epidêmicos ou até pandemias nos seus estágios iniciais.
Será ent?o possível fornecer aos governos a capacidade de reagir e dirigir esfor?os para o desenvolvimento de vacinas e medicamentos com muito mais rapidez do que antes.
Olhando para o futuro, a equipe de Warish Ahmed e outros grupos em todo o mundo est?o examinando a possibilidade de analisar o teor viral dos efluentes dos avi?es.
Com isso, eles esperam que seja possível rastrear possíveis novas variantes de influenza e covid, além de possíveis vírus novos que estejam sendo transmitidos em todas as partes do mundo.
"é fundamental ter as ferramentas necessárias prontas antes que surja o próximo vírus sério, para podermos combatê-lo com eficiência", conclui Ahmed.
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